Chegou a primeira news do Clima.
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Como tudo que começa, vem o frio na barriga que compõe a expectativa em agradar, em querer fazer sentido para além das vozes da nossa cabeça.
Então a ideia é que vocês fiquem livres para dar pitacos, fazer pedidos e colabore para que a gente chegue no formato ideal e mais proveitoso.
Mais do que encher vocês de mais informação e material para entrar no acervo infinito e que gera mais ansiedade, a vontade aqui é oferecer perguntas e materiais que instiguem a gente a pensar e desenhar raciocínios, e menos impor certezas sobre os assuntos.
Boa leitura!
obs: as palavras laranjas são clicáveis.
Nesse final de semana acabei de ver a série Ruptura (Severance, AppleTV), considerada uma mistura de The Office com Black Mirror, que narra a história de funcionários de uma mega corporação (da qual não sabemos que produtos ou serviços oferece), que após aceitarem participar de um experimento - no caso, um implante no cérebro - conseguem separar memórias da vida pessoal da profissional.
Ou seja, a partir do momento em que eles entram no edifício, “esquecem” de seus relacionamentos, gostos, traumas e neuroses e quando saem, “voltam” e não sabem o que acontece no dia a dia de trabalho.
A série consegue capturar diversas dinâmicas ainda presentes em grandes empresas: as hierarquias e os nomes dos cargos, a alienação do trabalho, a simbologia do crachá no pescoço, as dinâmicas forçadas de interação entre as pessoas, a “diversão” como um pré-requisito, as diversas formas de manipulação, a preocupação como o wellness (bem-estar), as recompensas, reconhecimentos e bonificações calcados na alta performance e na meritocracia e a culpa em não pertencer a esse mundo e refutar os seus códigos.
Separar vida pessoal e profissional era um pré-requisito há algum tempo atrás: acreditava-se que dessa forma os dramas não invadiam o trabalho e assim não prejudicavam a produtividade.
Mas nos últimos anos, vimos o movimento inverso: gerentes e RHs perceberam que envolver os funcionários emocionalmente com seus empregos e captar anseios e desejos pessoais e misturá-los com o trabalho pode ajudar a reter as pessoas em seus cargos e mostrar que o salário emocional pode ser uma arma contra a falta de motivação em empregos “inúteis” e também amainar a reivindicação por maiores salários, menos tarefas ou outros direitos.
Como isso se manifesta? No incentivo a demonstrar vulnerabilidades, contar o que se passa na vida pessoal, nos happy hours, no vestir a camisa, no “não somos um time, somos uma família”, nas salas coloridas com jogos, nas iniciativas diversas para demonstrar as nossas emoções e crenças, entre outros.
Então o/a funcionário/a ideal é aquele/a que se envolve totalmente com o seu trabalho e se deixa acessar, sem máscaras sociais. Mas será que isso é mesmo saudável (e possível)?
O que de primeira parece algo legal, pois “humaniza” o trabalhador, por outro lado, temos poucas garantias que nossas vulnerabilidades não serão usadas futuramente contra nós e que na hora em que passamos a ser indesejados/as, seremos descartadas/os sem dó.
Porque afinal, enquanto as estruturas que sustentam as dinâmicas competitivas persistirem e a escassez (que nos faz nos agarrar ao emprego com todas as forças) ainda existir, tentar mudar as relações nesses ambientes pode ser mais tóxico do que manter um certo distanciamento emocional dos nossos empregos.
Não estou afirmando que é errado ser verdadeira/o ou se envolver pessoalmente com seus trabalhos, mas sim alertar para que não caiamos em discursos encantadores que podem estar escondendo uma “informalidade casual e autoritarismo silencioso”, como escreve Mark Fisher no livro Realismo Capitalista, no qual nossa espontaneidade é capitalizada e usada como uma prova de envolvimento e comprometimento.
Já mudei bastante a minha opinião e sensação sobre o ideal vida pessoal x profissional, porque em tempos de burnout, ansiedade e muita gente que sequer pode escolher no que vai trabalhar, proclamar um discurso que faz sentido para a nossa utopia mas não para a nossa realidade hoje, pode nos levar para um buraco difícil de sair.
E você, o que pensa/sente sobre esse tema?
As referências do mês buscam embasar a reflexão central e nos ajudar a elaborar melhor o que se passa na nossa cabeça. E como no Desajuste estamos estudando agora o tema do trabalho, não é a toa que é o que mais está latejando aqui dentro.
A série Ruptura mostra um ambiente de trabalho hostil que se oculta atrás de sorrisos forçados e lavagem cerebral. Se parece distante demais da realidade para você, indico o documentário Persona: A realidade obscura por trás dos testes de personalidade. Vi a dica no @saudementalcritica e é bem legal por contar como o aparentemente divertido e inofensivo teste das 16 personalidades, tem em sua história uma origem racista, classista, sexista e capacitista (!) e vem sendo usado por processos de seleção para excluir pessoas vistas como indesejadas para o mercado. Dá pra fazer uma news só sobre isso.
Pensando sobre o conceito do trabalho e como chegamos até aqui, a Rita von Hunty fez esse vídeo que nos ajuda a entender e problematizar o nosso modelo hoje.
E já que hoje se fala muito em trabalho ligado ao propósito, seja lá o que isso significar (assunto pra outra news), esse episódio do podcast da Consumoteca cutuca a ferida ao mostrar o outro lado desse envolvimento cármico entre nossa “missão de vida” e nosso ganha-pão. A gente até deu uns pitacos também :)
E tentando manter a promessa de não enxotar vocês de coisa, por último, vai rolar um seminário bem legal, o Cooperativismo de Plataforma e Políticas Públicas e uma das participantes é a Aline Os, professora do Desajuste.
Para se inscrever, é gratuito e só clicar aqui.
UM FILME
Não sei se foi o pianinho da trilha do Ruptura ou o clima um tanto tenso que beira a série que me remeteu a um filmaço que recomendo demais: A Conversação, do Francis Ford Coppolla lançado em 1974.
UM DISCO
Esse disco tem ocupado uma boa parte do tempo aqui. Eu que nunca fui muito de me apegar às letras das músicas, não consegui não prestar atenção e estudar essas aqui.
UMA INICIATIVA
Não sei se vocês conhecem o App Justo, que tem funcionado aqui em SP. A ideia é ser uma plataforma de delivery que paga valores justos aos entregadores em contraposição com as práticas dos ifoods da vida.
UMA PÁGINA
Já sabe onde você está na pirâmide social do Brasil ou do seu estado? Essa página do Nexo te mostra o comparativo do seu salário com a população. O resultado é bem impressionante.
Ah, e não se esqueçam de frequentar a comunidade do Clima, só clicar no botão :)
É isso gente, até a próxima!
Lembrando que você pode responder esse email contando o que você gostaria de receber da news.
Um beijo e bom feriado!
Nat