news do Clima #14
Apocalipse sustentável e verdades inconvenientes sobre a tal da conscientização da geração z
Sejam bem-vindos e bem-vindas a mais uma news do Clima.
A curadoria mensal de conteúdos, divagações e cutucos pra gente não desistir e se interessar mais pelo que acontece fora do nosso umbigo.
Nessa edição: a Geração Z não vai salvar o mundo, consumismo e culpa.
Ah, as palavras em laranja têm coisa, só clicar.
Pra quem cansou da gente, é possível se desinscrever a qualquer momento lá embaixo.
Durante alguns segundos de surto coletivo, olhamos para a Greta Thunberg lá atrás e veio aquela platitude geracional na cabeça: “ah, essa juventude vai mudar o mundo!”.
Esse pensamento Era de Aquário feelings fez muito sentido há 5 anos, diante de notícias cada vez mais escabrosas sobre colapso climático e grandes corporações e governos nem aí pra efetuar qualquer mudança que nos desviasse do apocalipse.
A ideia de que a nova geração vai melhorar as coisas nos dá uma sensação mista entre fé no futuro e delegação de responsabilidade, porque afinal, com mais de 30 anos, precisamos deixar os sonhos e a militância para os jovens, uma vez que, sim, estamos preocupados(as), mas existem agora coisas mais sérias como boletos, filhos para criar, ansiolíticos e colesterol.
Mas será mesmo que os mais novos vão salvar o mundo?
E que apenas nos resta esperar por isso?
Longe de mim descreditar o movimento da garota ou qualquer ativismo contemporâneo. Mas o que quero trazer aqui é a cooptação do discurso sobre sustentabilidade pelo mercado (nenhuma novidade) e um olhar crítico em torno da ideia de conscientização da nova geração, para assim buscar entender se existem saídas ou se já era mesmo.
Lendo um relatório recente da Consumoteca sobre a Geração Z da América Latina (aqueles seres de 12 a 27 anos), um dos itens que me chamou a atenção foi justamente a percepção do material sobre a relação de consumo desse grupo.
Segundo o report, 57% das pessoas entrevistadas concordam que o consumismo (não comunismo) é uma das principais características da geração. E consumir, para elas, é “um ato de autocuidado” (ai), já que cada compra traz a sensação de merecimento por lidarem com tanta pressão no dia a dia, e também para entrarem em contato com sensações boas que uma brusinha traz quando não se consegue essa dopamina em outros lugares.
Embora pareça um raciocínio limitado de classe, foram entrevistados jovens de classes A, B e C, imaginando que essa definição varia em cada país.
Então vamos dizer que a nobre ideia de "ser mais do que ter" ainda circula por aí, talvez modificada, mas a aquisição de bens desnecessários ainda é uma realidade.
“Ah, mas eles se importam se a marca é sustentável, ESG e tals”.
AHAM, senta lá. Nem precisa de greenwashing não, porque o relatório aponta que o brasileiro é o que menos vê valor na responsabilidade ambiental diante de seus hermanos.
Nessa questão, tem muita camada pra olhar. Se você nunca passou um tempo pelo menos olhando o acervo infinito de produtos (bem interessantes) da Shein e da Shopee, parabéns pra você. Mas parece que pela primeira vez roupas decentes podem ser compradas por um valor que não comprometa o aluguel, além de ter tamanhos bem mais inclusivos do que as marcas de sempre. Antes, nos restava se adequar a coleção Renner-C&A ou garimpar nos poucos brechós e no Mercado Mundo Mix (!).
Antes de mais nada, este vídeo da Laura Sabino problematiza o discurso que já deve ter surgido por aí do “mas-a-shein-usa-trabalho-escravo”, fala também sobre como a elite (elite mesmo, não os novos-ricos) gosta de usar a moda como distinção social (e definir o que é ou não cafona) e nos faz pensar sobre o consumo de roupas de uma maneira geral.
Mas é aquilo, em um mundo onde não existe consumo sustentável dentro do capitalismo, a solução então é pagar muitos dinheiros por poucas peças de qualidade, numa versão light do movimento quiet luxury dos ricaços?
Trago essa reflexão justamente para que você não se sinta a pior pessoa do mundo só porque comprou uma jaquetinha que vai demorar 2 semanas pra chegar com frete grátis. O buraco é muito mais embaixo.
Claro, sempre vale uma autoavaliação, assim como pra tudo na vida: preciso mesmo dessa blusa? por que quero isso? que escape estou buscando? É o mesmo fluxo de pensamento que podemos ter com qualquer atitude: por que estou triste com determinado acontecimento? o que isso diz sobre mim? Como posso melhorar nesse sentido? Eu realmente preciso melhorar?
Achar que você está mudando o mundo porque pagou 400 conto em uma calça da Flávia Aranha revela muito sobre o problema central do nosso sistema: a mudança não virá de atitudes individuais, porque menos de 1% da população do planeta pode de fato optar por pagar mais caro pelo que vai consumir, seja roupa, comida, ou qualquer item no geral. E lembrando também que quem fode o planeta não são a “praga dos serem humanos”, mas alguns humanos específicos, bem ricos, bem alocados e que moram bem longe de você.
E mesmo que você opte por viver de maneira mais sustentável, nem queira saber de onde vem a bateria desse seu celular e os componentes do seu computador. Ou seja, essa meta você não vai bater nesta vida, a não ser que vá viver como caçador-coletor em algum canto remoto do mundo.
De novo, não é então para tacar o foda-se e sair comprando como se o meteoro do Melancolia estivesse encostando, mas entender que o caminho vai implicar uma mudança estrutural, onde as responsabilidades são compartilhadas e o ônus não cai sobre uma pessoa que sente remorso por não conseguir diminuir a duração do seu banho para 6 minutos.
Pensar num mundo ideal, onde seja proibido fabricar roupas do zero, e as marcas sejam obrigadas utilizar o que já existe, pode até traz um contentamento diante da possibilidade, mas o lance é: e se a gente parasse de comprar totalmente? E se só comprássemos por necessidade?
Mas então, novamente, até isso não se trata de uma questão apenas individual, porque nossos desejos são criados socialmente, e precisaria mudar uma caralhada de coisa junto para que você possa se sentir bem com você mesma(o) andando de forma meio básica ou esfarrapada.
Pensar sobre nossa vida e questionar o que a gente faz e pensa é essencial pra nos relacionarmos com tudo de uma maneira mais ética e saudável. Mas devemos estar atentas(os) aos falsos moralismos que rondam os discursos sobre sustentabilidade e não cairmos na tentadora ideia de que as coisas melhoram pelo simples passar do tempo, como algo mágico e natural.
A conscientização sobre o consumo é bom, mas questionar os porquês da gente pensar e desejar certas coisas, e relacionar isso com o macro, olhando criticamente pro modo de vida que naturalizamos como ideal e as origens de tudo isso, pode ser mais eficaz para acender uma centelha de rebeldia coletiva.
Culpa nunca nos levou pra nenhum lugar bom, e vamos dizer que a geração Z nem culpa sente, então não vale perder esse tempo.
❒ Não tão novo, mas sempre bom, o doc True Cost joga a merda no ventilador da indústria da moda.
❒ A lavagem cerebral começa cedo no doc Criança, a alma do negócio. Bora passar raiva? Boooora.
❒ Me liguei agora que o Surplus fez VINTE ANOS socorro. Mas claramente, atual. Em vez de ficara passando aquele maldito vídeo do protetor solar na escola, deviam passar esse.
❒ O Mujica pode falar coisas bem deprimentes e mesmo assim você inexplicavelmente ficar mais feliz, como nesse videozinho que circulou por aí.
❒ Esse tweet aqui faz pensar sobre as atitudes nobres e sustentáveis, mas que podem impactar ainda mais o ambiente dependendo da sua classe social. Pra saber, esse site te ajuda a medir a sua pegada ecológica. A minha é péssima, me achava de boas e parece que preciso de 4 Terras pra dar conta do meu estilo de vida. Mas parece que para quase todo mundo com um padrão de vida ”normal” ocidental dá ruim mesmo.
Bora fazer compras 😅
Até a próxima.
Abraços,
Nat