Sejam bem-vindos e bem-vindas a mais uma news do Clima.
A curadoria mensal de conteúdos, divagações e cutucos pra gente não desistir e se interessar mais pelo que acontece fora do nosso umbigo.
Nessa edição: política pra quem odeia política e já tá em pânico + refs + próximos encontros do Clima.
Ah, as palavras em laranja são clicáveis, sempre bom avisar.
Pra quem cansou da gente, é possível se desinscrever a qualquer momento lá embaixo.
Para quem curtiu, espalhe a ideia :)
Não sei como anda a bolha algorítmica de vocês, mas por aqui, desde terça-feira - que foi quando liberou a campanha eleitoral - só se fala disso. Propaganda, projetos, promessas, tretas, confusão mental e ansiedade.
Sempre fico curiosa para saber a trajetória de cada pessoa em relação ao tema, e por aqui, em grande parte da vida fui daquelas pessoas que reviravam o olho quando se falava sobre política, pensava nisso a cada 2 anos na época de eleições e só.
A despolitização pode vir de um lugar de privilégios, no sentido de não sofrer impactos tão profundos pelas políticas públicas e questões sociais no geral, mas também vemos em todas as classes uma rejeição profunda pela política institucional, consequência histórica de um sistema corrupto, no qual se governa pra poucos e pouco se entende o seu funcionamento.
Fora isso, as eleições de 2018 foram bem traumatizantes para muita gente - rompimentos familiares e de amizades, grupos de zap só no ódio - uma pesquisa da Datafolha mostrou que 49% dos brasileiros deixaram de falar sobre política para não entrar em discussões.
Mas não falar sobre não faz o problema desaparecer. Pelo contrário.
Está terminando um dos piores mandatos da história do Brasil, um retrocesso gigante, e se você não faz parte do 0,1%, a água bateu na sua bunda sim. Ou seja, não adianta achar que nada importa e que a história vai evoluir naturalmente para melhor, porque vimos que não é bem assim.
Entender como chegamos até aqui e ter um olhar sistêmico nos ensina que eleições não resolvem todos os problemas da sociedade, mas que temos que ser responsáveis na hora de apertar o botão. E como faz?
A ideia dessa news não é convencer você a votar em determinada pessoa ou partido, mas é justamente ajudar a entender porque não dá pra fingir que isso não é importante e estimular uma escolha consciente, bem como sair dos discursos vazios do “nem esquerda nem de direita” e saber dialogar com quem pensa diferente.
Pra isso, seguem alguns tópicos pensados para dar um pontapé:
→ Começando do zero
Entender como funciona o complexo funcionamento de nosso sistema político pode ser um bom início para compreender funções e alguns porquês. Embora não concorde 100% com algumas abordagens, o site do Politize é uma fonte legal para quem tá engatinhando em alguns conceitos e mutretas do sistema.
Nessa fase, é importante também refletir sobre seus valores, princípios e desejos de futuro. Porque no discurso, todo mundo quer “fazer o bem”. Agora como chegar nesse “bem”, o que ele significa e porque ele é importante vai determinar com quais programas políticos você se identifica.
→ Se livrando do discurso de “político é tudo igual” e “não dá pra esperar nada do governo, só de nós mesmos”
Dá pra entender porque se fala tanto isso. Quem cresceu vendo Jornal Nacional sabe que tudo está a venda e que ninguém sobrevive no mandato sem fazer concessões e alianças com pessoas de caráter duvidoso. Mas por que é perigoso embarcar nesse discurso?
Primeiro, quando passamos a entender como as coisas funcionam e a se informar sobre o passado e o presente, focando na conduta de certos partidos e políticas/os individuais, já sacamos que existem sim diferenças, e cruciais.
Falar que é tudo igual e não se importar traz consequências que vimos bem de perto: uma total e desesperadora paralisia social diante de atrocidades cometidas por esse governo durante 4 anos e uma sensação de “não tem o que fazer e é isso aí”.
Fora isso, políticos com pretensões bem fascistas se elegeram justamente com discursos anti-política e “anti-sistema”, alimentados pela rejeição nos políticos em geral.
Esse fato também é reforçado pela crença de que é só fazendo com as nossas mãos que se resolve. Se em parte isso é verdade, principalmente quando vemos iniciativas independentes dando certo e ajudando grupos e pessoas, por outro lado, muitas empresas vêm se apropriando desse discurso para se mostrarem como as salvadoras da pátria, e a mercantilização de pautas coletivas nos fazem crer que é só através do consumo e da livre iniciativa privada (e individual) que se melhoram as condições de vida, endeusando CEOs como se fossem benfeitores enquanto vemos a naturalização da privatização de tudo que deveria ser público e de bem comum: educação, saúde, água, alimentação, transporte, etc.
Ou seja, enquanto vivemos sob uma “democracia” que beneficia alguns poucos, podemos escolher candidatos/as que realmente sejam contra o status quo (não só no discurso) e que possuem projetos políticos de fato populares. E ser do contra não basta, precisamos entender quais são os valores básicos e quais tipos de projetos estamos apoiando.
→ Como escolho meus candidatos e candidatas?
Já falamos lá atrás que antes é preciso entender no que se acredita para aí sim conseguir se conectar com alguma proposta. Se estamos falando de um projeto que beneficie a maioria, seja popular e democrático, temos que olhar para representantes que encarnem essas pautas, estudando sua história, como votaram (caso já foram eleitos), quais posicionamentos têm diante de questões essenciais e obviamente, o que defendem em seus projetos.
Nessa eleição, tivemos o recorde de candidaturas de pessoas negras, indígenas e mulheres, então agora é realmente pesquisar e correr atrás. Mas importante dizer: não vamos cair na falsa representatividade. Não é só porque a pessoa faz parte de algum grupo minorizado que ela defende um mundo mais justo e igualitário não, tem mtos Sérgios Camargos e Damares por aí, e pegando exemplos de fora do Brasil, o juiz Clarence Thomas nos EUA e a Margareth Thatcher (idolatrada por muitos), apoiadora do apartheid na África do Sul e da ditadura chilena e responsável por implementar a política neoliberal que se espalhou pelo mundo.
Meio que isso:
Para facilitar, separamos aqui alguns sites que vão te ajudar a se informar mais sobre candidatos/as:
VOTE PELO CLIMA: pessoas com propostas ligadas à pautas ambientais.
RURALÔMETRO: avalie quais candidatos/as passaram a boiada e quanto.
VOTE LGBT: autoexplicativo.
QUILOMBO NOS PARLAMENTOS: o site reúne candidaturas negras de alguns partidos e coletivos.
MEU VOTO SERÁ FEMINISTA: autoexplicativo.
TESE ONZE: por último, o canal Tese Onze, da socióloga Sabrina Fernandes, montou uma plataforma para mostrar candidatos que se encaixem em onze eixos como: combate ao autoritarismo, sustentabilidade, fim da guerra às drogas, soberania alimentar, trabalho e dignidade, entre outros.
→ Sobrevivendo aos almoços de domingo e a insalubridade das redes sociais
Escolhidos os seus candidatos/as, você pode querer conversar ou não sobre eles com outras pessoas. Ou talvez com a sua família. Mas tenha em consideração que você não vai conseguir convencer ninguém de nada, a não ser que a pessoa esteja disposta a escutar e dialogar.
Isso vale pra gente também: o quanto muitas vezes somos arrogantes por nos acharmos esclarecidos/as e não estamos dispostas/os a escutar de verdade o que quem pensa diferente tem a dizer?
Claro, precisamos ter limite pra lidar com gente abertamente fascista. Mas do mesmo jeito que achamos que temos a razão e que a outra pessoa está viajando, é bem provável que ela esteja pensando o mesmo da gente.
Talvez para quem curte uma treta, vale escolher as batalhas. E pra quem odeia conflito, tentar restringir as discussões para quem estiver com disposição para trocar, e não só atacar.
→ Tudo isso aqui vai muito além das eleições
Finalizando as ideias, é importante dizer que Bolsonaro não surgiu do nada e os problemas sociais que o Brasil enfrenta não são de hoje. Tudo isso é consequência da construção dos pilares que sustentam o sistema político hoje, provenientes de uma história colonialista, racista, classista, oligárquica e autoritária, que não tirou seus esqueletos do armário e que vemos os resultados até hoje.
Ou seja, a solução não virá de um dia pro outro e tampouco virá da pura vontade de alguns políticos eleitos. Precisamos como sociedade civil se organizar, se juntar, debater, se movimentar para cobrar deles o trabalho que precisa ser feito, bem como saber reivindicar direitos e as transformações que queremos pra coisa toda.
E sempre se perguntar: quem são os poderosos que, entra e sai governo, seguem lá firmes e fortes influenciando as decisões e direcionamentos? A quem serve o deus-mercado que tem mais poder que os próprios políticos? Como podemos apoiar projetos populares que já estão em marcha, mas são perseguidos e marginalizados por justamente ameaçar esse poder de poucos?
Cada pessoa tem seu tempo e seu processo, e quem ficar com curiosidade, chega lá na comunidade do Clima que conversamos sobre como foi o processo individual de politização, entendendo isso como a relação consigo e com o mundo que busque entender o processo histórico/cultural/filosófico de como chegamos até aqui, também se sentir co-responsável por transformar a realidade não só individual, mas coletiva.
Pra acabar (agora de vdd), deixo esse post que resume bem o que falamos por aqui:
→ Não que eu seja cadelinha da Sabrina Fernandes, mas há de reconhecer que ela faz um belo trabalho de letramento e iniciação política. No Glossário dá pra começar a entender sobre vários temas. E os livros dela são bem bons. Tem o Se Quiser Mudar o Mundo, destinado para um debate político inicial, e também o Sintomas Mórbidos, bem mais complexo, que analisa as contradições da esquerda a partir dos eventos de 2013.
→ A UFRJ lançou agorinha esse doc chamado Termos ambíguos do debate político atual: pequeno dicionário que você não sabia que existia. Ele explica aquelas palavras que muita gente usa pra polarizar e esvaziar o debate como: ideologia, marxismo cultural, ideologia de gênero, politicamente correto, dentre outras. Vale ler!
→ O documentário Espero Tua (Re)Volta, da Eliza Capai foi lançado em 2019 e mostra o movimento estudantil durante as ocupações de 2015 sob a perspectiva dos estudantes, e como se dá os processos políticos no meio. Já o filme Curral entrou recentemente na Netflix e faz um retrato do processo eleitoral em cidades do sertão do Brasil, que sofrem com a seca e com o clientelismo em função dessa condição.
E não fique de fora do próximo encontro:
Diante de um cenário hostil, a criação de redes de apoio, coletivos, cooperativas e comunidades é uma via fundamental para o fortalecimento político e para a promoção da saúde mental. Mas como lidar com as diferenças presentes nas relações e nos grupos? Como ouvir o outro na sua diferença para fortalecer aquilo que temos em comum?
Chega mais nesse encontro gratuito com o psicólogo Lucas Veiga, online e ao vivo aqui nesse link.
PS: em breve teremos a nova data do encontro sobre saúde mental + psicodélicos com a Kurai.
Até o mês que vem :)
Abraços,
Nat
news do Clima #5
👏👏👏 que a galera privilegiada que diz não gostar de se envolver com política leia e perceba que tudo é política