Sejam bem-vindos e bem-vindas a mais uma news do Clima.
A curadoria mensal de conteúdos, divagações e cutucos pra gente não desistir e se interessar mais pelo que acontece fora do nosso umbigo.
Nessa edição: sobre privilégios, culpa e caridade, referências e links pra clicar sem pressa.
Ah, as palavras em laranja são apertáveis, sempre bom avisar.
Pra quem cansou da gente, é possível se desinscrever a qualquer momento lá embaixo.
Para quem curtiu, espalhe a ideia :)
Pra quem não tem paciência de ler a news até o final, já quero adiantar uma informação: no dia 27 desse mês (terça-feira) às 19h30, vai rolar uma roda de conversa pra gente papear sobre as eleições e é direcionado pra quem sente falta de um espaço civilizado pra tirar dúvidas, desabafar sobre bolsonarista na família, refletir sobre candidatos/as e entender melhor o funcionamento do sistema como um todo.
Sabemos que as eleições não vão resolver os problemas do Brasil, mas estamos em uma situação bem periclitante e, nessa conversa, queremos incentivar uma postura crítica que vá pra muito além de outubro.
Chega mais, é gratuita e aberta via zoom, nesse link aqui.
Agora bora pro nosso tema principal.
Alguns episódios nos últimos meses, aparentemente desconectados, deram a letra de como reações frente às injustiças podem ter vieses bem diferentes, e o moralismo que existe sobre o que chamamos de “fazer o bem”.
Aqui estamos falando da viralização do vídeo de um bolsonarista negando marmita para uma pessoa eleitora do Lula, e uma acusação de “cospobre”1 da Laura Sabino, militante/influencer de esquerda, simplesmente por ela ter um pai professor universitário.
O assunto Privilégios x Direito Básico vira e mexe volta ao debate, afinal, a gente vive em um dos países mais desiguais do mundo, com pouca consciência de classe e muito fiscal de c* alheio, principalmente nas redes sociais.
A banalização do conceito de privilégio fez emergir algumas coisas:
- uma delas é a gente achar que “somos privilegiados/as” por ter um carro, comida na mesa e educação de qualidade, afinal, pouca gente tem isso. Não que reconhecer e sentir gratidão pelas coisas boas que temos não seja importante, mas aqui estamos falando de direitos básicos que deveriam ser acessados por todas as pessoas.
- outra coisa que acontece é justamente um sentimento de culpa e vergonha. Não escolhemos onde e como nascemos, e essa perspectiva é ardilosa, porque joga a responsabilidade nas costas da pessoa de um problema que vai muito além da nossa capacidade individual de mudança e, além disso, culpa paralisa e não gera mudança.
Nesse caso da Laura, que já fez no passado um vídeo justamente sobre esse tema, no final acaba tendo que se justificar mencionando tudo o que já passou na vida (nasceu na favela, começou a trabalhar cedo, etc), como se assim ela tivesse um lugar de fala (aí outro termo bem deturpado mas fica pra outra news) para militar em cima de causas de transformação social.
Nessa lógica, diversas vezes começa uma competição discursiva para ver quem tem a vida mais fodida, e de novo acabamos por individualizar as pautas sociais, parecendo que só pode se mobilizar quem teve uma trajetória sofrida.
Claro que pessoas com vantagem social precisam se sensibilizar para essas questões, ter aquela noção que muita gente passa por perrengues que nunca vão passar, e dessa forma, se inconformar com injustiças e agir, mas sem se apropriar das lutas ou querer protagonizar/representar a pauta em si.
O problema é que nesses tempos onde nossa imagem é mercantilizada a todo instante, essa competição vai pra além dos egos: atenção é igual a mais relevância, e mais relevância é mais dinheiro. Então quando não temos rede de apoio e políticas públicas que nos garantam o básico, é cada um por si, e esse protagonismo individual acaba sendo uma consequência.
E nisso, quando temos uma visão individualizada sobre privilégios e também sobre como resolver questões sociais, acreditando que basta cada um individualmente fazer uma boa ação que o problema será resolvido, vemos situações tais quais do colega da marmita: acredita estar “fazendo a sua parte”, alimentando o seu ego com bom mocismo de quinta categoria, “ajudando aos pobres coitados”.
Pode ser dando marmita, doando dinheiro, fazendo trabalho voluntário: essas atitudes em si não são problemáticas, mas se elas vierem sem uma conscientização por trás das origens da desigualdade e uma defesa de projeto político que promova uma transformação sistêmica e radical, acaba aderindo a vibe Bono Vox de mudança social.
Por outro lado, não há com rejeitar o conceito de privilégios de raça, de gênero, de orientação sexual, etc, mas eles não deveriam desembocar num processo de remorso e policiamento de atitudes, mas sim numa vontade/ação de combater essas opressões, defendendo e apoiando como se pode projetos, políticas e iniciativas capitaneadas por quem sempre esteve na linha de frente.
Concluindo, se você tem acesso à bens, isso não te dá automaticamente o selo de pessoa privilegiada, mas entender as vantagens sociais é extremamente essencial pra gente ver como tudo está relacionado (capitalismo, racismo, machismo, pobreza, etc) e sacar contra o que queremos lutar.
→ Comunista de iphone: a provocação mais famosa que se faz por aí, na qual se acredita que querer igualdade é fazer voto de pobreza. O capitalismo impõe uma série de contradições, mas essa não é uma delas. Pra entender melhor, esse vídeo e esse da socióloga Sabrina Fernandes.
→ Para entender o que é de fato privilégio (nesse caso o branco) como uma questão estrutural e o nosso entendimento do assunto como pessoas que não costumam se racializar, vale ler o livro da Lia Vainer Schucman Entre o Encardido, o Branco e o Branquíssimo.
→ Já recomendei esse doc diversas vezes, e tiraram da HBO em tempo recorde, mas dá pra baixar torrent por aí: Exterminem Todos os Brutos deveria ser material obrigatório nas escolas e nos faz entender a origem das desigualdades e pq estamos nessa até hoje.
→ O livro O Desejos dos Outros: Uma etnografia dos sonhos yanomami é incrível e oferece uma perspectiva sobre o que é sonhar e a sua importância na construção do entendimento de mundo em uma sociedade totalmente desencantada.
→ O filme Marte Um é lindo, singelo, perfeito. Assistam!
→ Pra quem estiver em SP, vale muito ver a exposição do fotógrafo Walter Firmo. No IMS até o dia 09 de outubro.
→ O diretor Jean Luc Godard morreu (no caso, cansou de viver), e ele de fato fez algumas obras primas, mas não consigo perder o ranço por ele ter dado um perdido da Agnès Varda no doc dela Visages, Villages. Vejam esse doc ♡
Na comunidade do Clima, surgiu a ideia de construirmos lá uma espécie de Tinder da amizade lá no grupo(e de dates tb, pq não). Já sabemos que fazer amigos pós 30 anos é difícil e nem sempre é fácil conhecer gente legal e que tenha a ver com a gente.
Mas queremos articular um grupo de trabalho para ver como podemos executar essa ideia. Quem quiser, só responda essa email e começamos o contato :)
Um abraço, votem consciente, e até o mês que vem!
Nat
Cosplay de pobre, expressão usada pra descrever playboy que se faz de pé rapado.