Sejam bem-vindos e bem-vindas a mais uma news do Clima, agora a última do ano.
A curadoria mensal de conteúdos, divagações e cutucos pra gente não desistir e se interessar mais pelo que acontece fora do nosso umbigo.
Nessa edição: adeus 22, sonhar pra que e referências pro recesso.
Ah, as palavras em laranja têm coisa, só clicar.
Pra quem cansou da gente, é possível se desinscrever a qualquer momento lá embaixo.
Pra quem não tem paciência de ler a news até o final, queria contar uma novidade. Fui convidada pela querida Thati Cappelano, que liderou um dos clubes do livro do Clima com o Sociedade do Cansaço, para co-construir e facilitar um curso livre sobre os desafios do mundo do trabalho na Faculdade Cásper Libero. Ele é direcionado para gestores e gestoras de equipes, planejamento, e para quem lidera pessoas e está sentindo o peso e a dificuldade em tomar decisões e direcionamentos em tempos complexos e cheio de mudanças.
Mas tudo isso com aquele olhar crítico, através de uma perspectiva sistêmica, pontuando a precarização e falta de sentido e de reflexividade dentro das organizações.
Vai ser nos dias 11, 18 e 25 de março (3 sábados), online e ao vivo.
Chega mais!
2022 não fugiu do clichê pós-pandemia do “passou voando”. Nos últimos 12 meses tivemos: eleições, copa, covid que não termina, alegrias, tistrezas, muita coisa pra se revoltar, como também pra esperançar. Foi um ano difícil pra caralho, perdoem o palavreado, mas imagino o quão complicado foi por aí também. Entre sofrer muito ou pouco menos que muito, aposto que ninguém passou incólume e se tem algo que a gente quer desejar pro ano que vem, é que ele seja mais leve na medida do possível.
Aqui no Clima tivemos mudanças bem importantes, que serviram pra mostrar que a gente não tem controle de nada e que a vida leva a gente pra lugares onde sequer planejamos.
Mas já que queremos terminar o ano com uma nesga de inspiração, a breve reflexão dessa news fim de festa vai ser sobre sonhos.
Das análises mais comuns voltadas ao indivíduo sob um olhar da psicanálise, à ideia de sonho coletivo pautado por diversos grupos, acho que nunca tem se falado tanto sobre o tema, justamente em tempos em que falar sobre sonhos de mundo soa brega ou ingênuo, e o pragmatismo + a crença de que não há saída ainda guiam a forma que a gente lida com o futuro.
A nossa ideia de sonho é bem limitada, a partir do momento em que a maneira com a qual a gente sonha e o que sentimos/refletimos sobre os sonhos, está diretamente relacionado com o nosso entendimento de mundo e como a gente se relaciona com ele.
Oi?
A nossa relação com a experiência é sempre individual e se relaciona com a nossa subjetividade apenas, já que a nossa racionalidade foi construída (desde séculos) em cima da noção do “eu”. Isso quer dizer que o peso e significado de um sonho diz respeito somente à nós mesmas/os.
Mas quando aprendemos que existem outras formas de lidar com o ato de sonhar, como uma ferramenta essencial e que faz parte da nossa relação com o mundo e com tudo o que nos rodeia, dá um tilt.
Só que pra gente compreender o sonho como uma extensão do que chamamos de realidade, não basta apenas querer ou estudar.
Aqui estamos falando da forma com a qual a gente raciocina, entende e SENTE as coisas. E para mudar tudo isso, é um processo de décadas, séculos de mudança, já que para isso o sistema no qual vivemos precisaria mudar também.
Porque em grande parte das tentativas de sair da racionalidade, pensamento e consciência da forma que entendemos hoje, se acaba caindo dentro da mesma “caixa” quando não há uma mudança nas bases materiais da vida e de relação com o mundo.
Tá, e pra que olhar pra isso?
Justamente porque nossa sensibilidade anda bem calcificada, tem muita coisa se despedaçando e o estilo de vida que damos como civilizado e ideal tá indo por água abaixo. Então os sonhos entram como aquela capacidade que nós seres vivos temos (e já se sabe não só humanos sonham) de se conectar com o que não é visível e “logicamente” explicável, mas que pode nos ajudar a enfrentar o apocalipse que vem aí.
Sei que parece papo de chapado/jovem místico, mas separei aqui alguns trechos de uns livros lidos nos últimos tempos que tentam ilustrar essa ideia de diferentes formas.
O primeiro deles foi tirado de uma obra da Ursula K Le Guin, mestre maravilhosa da ficção especulativa/científica. Se a gente pensa logo em distopia tecnológica a la Black Mirror quando pensamos no gênero, aqui é outra coisa. Ela é suprema em retratar mundos possíveis (e nunca perfeitos), criticando o que há de podre.
A obra Floresta é o Nome do Mundo narra a história de um planeta distante colonizado pelos terráqueos, que julgam os seres que vivem lá inferiores e por isso dignos de serem escravizados, quando um dia, eles se revoltam.
Inspiracional será?
Esse trecho traz uma fala de um desses alienígenas direcionada para um “humano”:
“Vocês dormem, acordam e esquecem seus sonhos, dormem novamente e acordam novamente, e assim desperdiçam sua vida inteira, e pensam que existência, vida, realidade é isso! Vocês não são crianças, são homens adultos, mas insanos.” (p. 119)
Se essa fala te lembra uma das broncas que o Ailton Krenak nos dá, vale pensar que esse livro é de 1972 de uma autora americana. Mas já dá a deixa do papel dos sonhos e sua influência em como o personagem em questão lida com a coletividade, com a natureza e com a diferença. Não vou dar mais spoiler mas recomendo demais esse livro, bem como os outros da autora.
E lendo essa obra, foi inevitável pensar em outras que investigam sistemas de organização da vida alternativas que sempre foram subjugadas, mas que agora recebem atenção, já que estamos desesperados/as em achar uma solução pra sair dessa.
Esse primeiro trecho faz parte da Queda do Céu, do xamã David Kopenawa Yanomami. O livro não é fácil de ler, mas é uma experiência surrealmente boa para tentar entender outros sistemas de pensamento/relação e como a nossa perspectiva é limitada a respeito de quase tudo.
“Os brancos não sonham tão longe quanto nós. Dormem muito, mas só sonham com eles mesmos. Seus pensamento permanece obstruído e eles dormem como antas ou jabutis. Por isso não conseguem entender nossas palavras.” (p. 390)
Os sonhos desempenham um papel fundamental para a sobrevivência do grupo, e também para a criação de sentido existencial (coisa que nos falta). E conectando com esse universo, a antropóloga Hanna Limulja lançou nesse ano o livro O desejo dos outros: uma etnografia dos sonhos Yanomami, que já citamos por aqui em outra edição da news e que investiga ainda mais esse sentido dos sonhos, agora sob um olhar de uma pessoa que faz parte do mundo dos brancos.
As experiências que acontecem durante o sonho podem influenciar os acontecimentos de vigília e vice-versa. Os Yanomamis sabem que o que vivenciam nos sonhos é diferente do que experimentam em estado de vigília. aqui não há uma confusão entre essas experiências. No entanto, aquilo que experimentam sonhando é considerando tão importante quanto as experiências de vida desperta. São formas complementares de estar no mundo e de se relacionar com ele. Os Yanomami não apenas pensam sobre seus sonhos, eles sonham aquilo que pensam. E é por isso que se pode dizer que os sonhos yanomami são parte fundamental de sua concepção de mundo.” (p. 174)
Mas como é ver o mundo nessa lente se a gente vive pra trabalhar, pagar boleto, resolver problema e no “tempo livre”, quando há, só queremos nos distrair e derreter nosso cérebro com amenidades?
Exato. O ponto é que dentro da nossa forma de organização hoje e o jeito que somos socializados/as, fica difícil conceber essa perspectiva sobre os sonhos.
Será a espiritualidade um caminho para lidar de outra forma com essa linguagem? Mas uma espiritualidade vivenciada coletivamente?
Não é sobre abandonar tudo e viver como indígenas, até porque isso não existe, mas entender que existem outras formas de existências que podem nos inspirar a criar algo novo a partir disso.
Isso é tema pra outra news.
Fora essas obras, pra quem se interessar mais e quiser uma visão científica (mas que não nega as outras partes), vale checar o trabalho do neurocientista Sidarta Ribeiro, com o Oráculo da Noite e o recém-lançado Sonho Manifesto.
Já que tem muito livro citado, bora indicar outras diversões pro recesso:
→ Filme: Queen & Slim, na Netflix.
→ Podcast: Balanço e Fúria, um dos melhores que tem.
→ Doc: Take Your Pills: Xanax, na Netflix. Se o primeiro abordava o problema dos remédios pra TDAH, esse agora foca nos ansiolíticos.
De resto, sejam contra-producentes, descansem ou façam o mínimo possível se tiverem que trabalhar, desenhem uma nova lista de metas (que não será cumprida) e só pra finalizar, a questão:
→ o que você quer ver por aqui no ano que vem?
Fizemos essa pergunta nos stories também se quiser responder por lá.
É isso aí gente, obrigada por tudo, de coração, e a partir de sábado vai rolar um detox de redes sociais até o dia 09 de janeiro, mas estarei abrindo email pra quem quiser falar com o Clima :)
Um abraço e até já,
Nat
Sempre bom ler a News do clima!
E esse clima de sonho e planos me lembrou de como mudou minha vida dar importância aos sonhos e buscar entender sua função.
Segue artigo de um amigo: https://logosofia.org.br/conteudos/os-sonhos-e-sua-relacao-com-a-vida/
Amei, obrigada pelas referências... E logo que vi a temática de sonhos, já pensei em Sidarta! Recomendo o episódio SONHAR A REALIDADE do podcast MAMILOS com ele! (jun2020)