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Sejam bem-vindos e bem-vindas a mais uma news do Clima.
A curadoria mensal de conteúdos, divagações e cutucos pra gente não desistir e se interessar mais pelo que acontece fora do nosso umbigo.
Nessa edição: seriados infinitos, hobbies improdutivos e deslavagem cerebral.
Ah, as palavras em laranja têm coisa, só clicar.
Pra quem cansou da gente, é possível se desinscrever a qualquer momento lá embaixo.
Durante uns 6 anos, tive a oportunidade de ler inúmeras respostas de questionários enviados às pessoas que participavam dos projetos do Clima e adjacências. Sem brincadeira, foram mais de 500.
Lá você encontrava desde perguntas inofensivas até questões existenciais, e eu adorava de verdade ler cada ser que abria o coração pra uma pessoa semi-desconhecida (eu).
Mas uma das coisas que me chamava a atenção eram as respostas para a seguinte pergunta:
O que você gosta de fazer no seu tempo livre?
E praticamente todo mundo colocava a mesma coisa: ver séries.
Nisso, corta para um papo que tive com uma amiga recentemente, no qual eu desabafava sobre minha crise de hobbies - definido pelo dicionário como ”atividade exercida exclusivamente como forma de lazer, de distração; passatempo”. A palavra é meio cafona, mas não encontrei nenhuma em português de defina melhor essa combinação.
Crise porque pela primeira vez sinto que não tenho um hobby, me fazendo pensar que a minha versão jovem era muito mais interessante (tocava guitarra, recortava umas roupas, lia muito livro, era cinéfila). Mas me parece que a própria percepção de hobby se transformou - se antes era qualquer coisa que não fosse trabalho ou estudo, agora, na minha cabeça pelo menos, foi muito mais pra trabalhos manuais, ou algo que implique uma criatividade livre e despropositada, e principalmente, que não seja passiva.
Com o espírito do tempo martelando na nossa cabeça que deveríamos ter hobbies para capitalizá-los de alguma forma (afinal, faça o que ama), junto com a proliferação das redes sociais e das telas capturando nosso ínfimo tempo livre, naturalmente parece que se perde esse espaço de fruição sem propósito, livre de finalidades definidas e que fuja da ideologia da produtividade.
Como afirma o professor Jonathan Crary no livro 24/7: Capitalismo tardio e os fins do sono,
Existem agora pouquíssimos interlúdios significativos na existência humana (com a exceção colossal do sono) que não tenham sido permeados ou apropriados pelo tempo de trabalho, pelo consumo ou pelo marketing. (pág 24)
Ou seja, vai muito além da nossa força de vontade ou esforço: se a falta de tempo, o cansaço e o consumo permeia todas as classes sociais (obviamente impactando de formas bem distintas dependendo do recorte de classe, gênero, maternidade, etc), acabamos preenchendo o que resta (quando resta) com algo que nos alivie e aliene para dar conta do dia seguinte ou só pra parar de pensar mesmo.
As séries entram aqui justamente porque elas cumprem esse papel de forma exemplar, e mais do que um objeto de descompressão, virou assunto de bar, de almoço da firma e bate uma espécie de FOMO quando se está por fora.
No início, eu me achava totalmente fora desse universo permeado por Buffy, House, CSI, Dawson’s Creek. A primeira série que eu vi por recomendações de professores foi a maravilhosa The Wire, há 11 anos atrás.
Segui depois com o hit Breaking Bad. E daí pra frente ferrou. Foi Sopranos, Black Mirror, House of Cards, Coisa Mais Linda, White Lotus, Mindhunter, Succession, Euphoria, Manhãs de Setembro, Derry Girls, Sex Education, Please Like Me, Dix Pour Cent, Round 6, Stranger Things, Bom dia Verônica, Sintonia, Inventando Anna, Little Fires Everywhere, Mare fo Eastown, Game of Thrones, Chernobyl, True Detective, Amiga Genial, Mad Men, Fleabag, Cenas de um Casamento, I May Destroy You, Homecoming, Dark, Ted Lasso, Westworld, Atlanta, Ruptura, Narcos, Fargo, e agora, vendo The Office. Tudo isso só pensando nas séries de entretenimento e certeza que esqueci várias.
Aí paro pra pensar (sem culpa): quantas horas nos últimos anos foram dedicadas a esse tipo de atividade, e o quanto esse tempo despendido se relaciona a crise mencionada antes?
E mais: o quanto o consumo de um formato específico de narrativa e estética (porque no fim são todas muito parecidas) de forma passiva, acaba embotando o nosso senso crítico, nos fechando ainda mais numa redoma individualista e influenciando a nossa percepção de mundo?
Não, não vou parar de ver séries e tampouco recomendar isso pra ninguém. Mas talvez vale a gente se ligar o que essas formas de consumo (e portanto, controle) que julgamos naturais e inofensivas, podem no fim deturpar a nossa percepção de tempo, ser uma espécie de fuga e ao mesmo tempo nos domesticar, mesmo quando são conteúdos de “crítica social”.
Essa frase da Anuja Pradhan, pesquisadora da University of Southern Denmark, dá o toque:
É bem benéfico às empresas manter essa modalidade de tédio leve por meio de streaming e outras formas, para que você não reflita necessariamente sobre as ideias que comprou - os ideais de viver em uma sociedade de consumo e sendo isso a chave para a felicidade.
Conversando com muita gente, percebo uma grande sensação de “não sei mais do que gosto” e uma certa preguiça em ir atrás, o que é bem compreensível. Tá todo mundo cansado, se descobrir dá trabalho e demanda uma certa dose de aventura e risco.
Fora isso, não podemos deixar de fora a importância do tédio, esse aí, tão essencial pra gente entrar em contato com as profundezas do nosso ser e entender possíveis caminhos que só descobrimos no silêncio.
Então onde cabem esses processos quando todo nosso tempo está sendo milimetricamente ocupado e algoritmizado?
Existe uma série sobre isso? (brincadeira).
❒ É tela também, mas é filme: estreou no Mubi o belo Arábia. Lindimais, faz parte dessa leva de filmes mineiros sensíveis, que retratam a vida de pessoas comuns e trabalhadoras (vide Marte Um, Temporada, A Felicidade das Coisas).
❒ Finalmente terminado o livro Um Defeito de Cor, da Ana Maria Gonçalves. Depois de quase 1000 páginas em mais de 2 meses, merece uma edição da news só falando sobre, embora não me sinta capacitada pra tal. É tanta coisa pra ir atrás e tanta coisa sentida, que só fica aqui a recomendação para dedicar o pouco tempo livre aí pra se entregar pra essa história. Coincidentemente, ela é mineira também.
❒ E sim, infelizmente o carnaval acabou e deixo vocês com essa música maravilhosa.
Bom começo de ano :)
Até a próxima!
Abraços,
Nat
news do Clima #11
Muito obrigada por essa discussão. Eu venho pensando nela sempre. Me sinto muito passiva ao assistir séries e tô só revendo e revendo séries que amo, mas são bobas e sei que vou gostar (maratonei The Office no puro tédio, já nem tava mais aguentando haha). Tô sentindo exatamente essa confusão de hobbies, o que fazer pós trabalho? O que pode me tirar da rotina que não seja em si uma rotina (tipo exercícios físicos ou ler, estudar). Fico feliz que não estou sozinha nessas piras!
Não sabia que Amiga Genial tinha virado série kkkkk Olha aí as influências heheheh
Já vou começar hj hehehh...