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Sejam bem-vindos e bem-vindas a mais uma news do Clima.
A curadoria mensal de conteúdos, divagações e cutucos pra gente não desistir e se interessar mais pelo que acontece fora do nosso umbigo.
Nessa edição: a gente trabalha demais, não vamo culpar os jovens (de novo) e querendo viver pra além do currículo.
Ah, as palavras em laranja têm coisa, só clicar.
Pra quem cansou da gente, é possível se desinscrever a qualquer momento lá embaixo.
Bom, vocês sabem que tudo em torno do tema mundo do trabalho me ocupa demais o pensamento, porque é algo tão cotidiano, e que ao mesmo tempo parece não fazer o menor sentido da forma com a qual a gente lida com ele, que faz muita gente (e eu) gastar neurônio pensando/estudando os porquês, alternativas, e maneiras de lidar melhor cotidianamente enquanto as coisas não mudam.
Resolvi trazer esse tema novamente depois de ler na rede mais amarga do Brasil (sim, o Twitter), toda uma discussão em torno de uma antiquerida (termo apropriado de lá) que ficou falando mal de uma estagiária que se demitiu, e, resumindo, listou uma série de julgamentos em cima das práticas da garota como se fosse uma pessoa que não se entregava 100% pro trabalho e não vestia a camisa, como diriam os amigos do coletinho puff, e aí entrou todo aquele papo que “essa geração não dura 1 hora com carteira assinada”, etc.
Não coloco o tweet aqui porque ela trancou a conta.
Mas tem alguns pontos nessa aparente futilidade que fiquei matutando e gastando aquela energia vital:
• os famosos “puxa-saco” de chefe (a.k.a pelegos), afinal, se o mundo do trabalho é uma competição, nada mais eficiente que um moralismo em cima da noção de produtividade e esforço para se mostrar superior e ganhar aquela promoção. Infelizmente, em muitos lugares, isso funciona demais.
• o discurso que já dura uns 20 anos e umas 3 gerações, de que “esses jovens não sabem respeitar hierarquia e não querem fazer nada”. Claro que há diferenças entre as décadas, e o mercado de trabalho, bem como nossos valores e o mundo em geral mudaram pra caramba.
Mas o olhar tiozão nunca perdoa que as coisas mudam, e sempre tá lá falando que “antigamente era muito melhor”. Pois bem, não estou deixando de concordar que talvez a minha geração (que tá quase nos 40) tolerava muito mais escrotidão vinda de cima, porque afinal, nossa educação sentimental envolvia banheira do Gugu e a gente no máximo soltava aquela risadinha sem graça quando o chefe mandava piadinhas machistas, classistas, racistas, lgbtfóbicas e tudo o que há de mais ofensivo pra quem fugia do padrão.
Ou ainda, acreditávamos que para chegarmos em algum lugar a gente precisava percorrer um árduo caminho, cheio de sofrimento e dedicação porque somente com sacrifício você seria feliz e teria uma vida digna.
Pois é, depois de quase todo mundo acabar remediado ou burnoutado, e totalmente desiludido com a “fluidez” do mercado (se mancar que a empresa não está nem aí pra você), talvez algumas coisas estejam mudando.
E é aí que entra a minha empatia com essa geração que parece que não vai mais aturar arrogância e certos desrespeitos, e viu que o trabalho é só um trabalho que precisa pagar as contas e não te explorar tanto (entendendo que talvez exista um recorte de classe uma vez que essas pessoas podem se dar ao luxo de desobedecer e arriscar uma demissão).
Claro que tem gente folgada, mas isso sempre existiu. Só que agora que parece um movimento mais amplo, então não dá mais pra olhar de forma individualizada e achar que é coisa de caráter, mas sim um problema sistêmico que demanda um entendimento das estruturas.
• e ai entra meu outro ponto, que é esse desencantamento com o trabalho, um abandono da crença antiquíssima de que ele enobrece e é o que dá sentido a vida e constrói a nossa identidade. Desromantizar o trabalho não significa fazer mal feito ou sem alegria, mas entender que dentro do capitalismo a gente deveria trabalhar menos e ter mais tempo livre (considerando aqui o cuidado dos filhos e pais já como um trabalho “oficial”).
E claro, se é pra ser utópico dá pra pensar sobre o fim do trabalho como entendemos e já falamos um pouco disso aqui.
• dentro de tudo isso, podemos pensar sobre a questão da produtividade: você se acha uma pessoa produtiva no trabalho? você tem fases? depende do que a sua produtividade? de seus hábitos, da sua situação neurológica ou do seu chefe? é algo cultural? como se mede afinal produtividade, principalmente em trabalhos da indústria criativa/cognitiva?
Um monte de perguntas que acredito serem relevantes, já que existe tanto curso, coach e o diabo a 4 falando sobre isso. E pra esse assunto trago duas lembranças, uma recente e uma que desenterrei de uma leitura que fiz há muito tempo e me marcou demais.
No início desse mês, aquele jornaleco The Economist publicou a seguinte matéria:

Bom, o resultado foi que eles receberam uma enxurrada de críticas (sim, tem muito racismo aí) e aí resolveram mudar para: “Uma terra de trabalhadores frustrados” em vez de “trabalhadores inúteis”. Ufa, agora melhorou.
Resumindo, o artigo traz um olhar mais macro sobre o conceito de produtividade, mas mesmo assim, as métricas sobre o que é produtivo e na economia em geral foram formuladas pelos ditos países do 1º mundo, e assim seguimos endeusando o PIB, o IDH e tudo mais.
Digo isso porque temos a fama de ser “preguiçosos, vagabundos e que não gosta de trabalhar”, certo? Quem nunca ouviu isso por aí?
Então trazendo para um olhar micro e pras conversas de Uber, eu digo: brasileiro é trabalhador pra caralho. A gente trabalha demais, produz demais (sob outras métricas) e não querer trabalhar é um sintoma absolutamente normal quando não se tem tempo pra mais nada. Infelizmente nosso conceito de bom trabalhador foi importado dos EUA, um dos piores lugares do mundo pro trabalhador médio.
Quando se houve relatos de gente que trabalha em muitos países da Europa, é comum escutar que ninguém passa do horário comercial porque isso é mal visto, afinal quem trabalha muito não deve cuidar bem da casa e/ou da família, ou algo como “não tem vida”.
A outra referência que veio é do livro Papalagui, que acho que já citei por aqui, de 1920, que conta a perspectiva do líder de um povo originário de Samoa sobre o homem branco. É excelente demais pra gente colocar todo o nosso estilo de vida em perspectiva e ver como muita coisa não faz o menor sentido.
Um dos pontos fala sobre o trabalho e trago aqui:
O Papalagui (homem branco) tem sempre pressa, sem ter tempo para descansar e, mesmo que tenha tempo, sente vergonha de descansar, pois todos os Papalagui se desgastam trabalhando. Eles correm de um lado para o outro, se esticam, se curvam, carregam, cavam, sem descanso, como se tivessem medo que o céu desabasse se parassem de trabalhar por um momento. Eles não trabalham para viver, mas vivem apenas para trabalhar, como se estivessem enfeitiçados.
Não tá muito distante das falas do Aílton Krenak ou de qualquer ser humano com um mínimo de discernimento sobre o absurdo no qual tamos enfiados.
Ou seja, se você for usar a nossa métrica de produtividade com essas pessoas, talvez eles nos julguem como seres altamente improdutivos, uma vez que a produção está conectada com o que há de mais essencial na vida e transcende a visão individualista na qual estamos submersos.
Que a gente consiga cada vez mais dar ao trabalho a importância que merece, e se conectar com o que está além dele, mesmo que no começo seja aterrorizante lidar com o vazio existencial que pode aparecer com isso.
❒ hoje não vai ter referência porque foi o dia que o carniça ficou inelegível e ocupou o resto das células de foco que eu tinha restantes. Peço perdão à vocês e prometo que na próxima edição eu compenso.
Agora bora sextar e comemorar.
Até a próxima.
Abraços,
Nat
news do Clima #15
Poxa, Nat, você conseguiu colocar em palavras uma série de conversas que eu venho tendo comigo mesmo sobre esse tema. Valeu mesmo!