Sejam bem-vindos e bem-vindas a mais uma news do Clima.
A curadoria mensal de conteúdos, divagações e cutucos pra gente não desistir e se interessar mais pelo que acontece fora do nosso umbigo.
Nessa edição: barbie, sectarização e silêncios mentais.
Ah, as palavras em laranja têm coisa, só clicar.
Pra quem cansou da gente, é possível se desinscrever a qualquer momento lá embaixo.
Sinto decepcionar a expectativa pelo título, porque por enquanto estou assim:
Ainda não vi o filme porque confesso que infelizmente não tenho ido muito ao cinema (tempo, streaming e Stremio) e pra mim essa obra entrou na categoria do “dá pra ver em casa no conforto do sofá em breve”.
Então não foi por desprezo intelectual, ranço do barbiecore ou tesão em ser aquela pessoa que adora se sentir especial por ser alienada diante de um hype (e que muitas vezes emite aquela frase desprovida de sentido: “não vejo filmes americanos”).
Mas o que me chamou a atenção nas últimas semanas foi a disputa argumentativa que rolou tanto nas redes sociais quanto em tudo que é produção de conteúdo possível e imaginável. A verdadeira “guerra cultural”, que na última década, parece ser a única via das supostas conversas online.
Claro, não dá pra ignorar que o filme proporcionou a maior bilheteria dos últimos tempos de uma diretora mulher, e que fala sobre um brinquedo que teve uma influência gigante em meninas de todo o mundo, seja por promover uma autoestima baixíssima, enviesar um padrão de beleza duvidoso ou ser um objeto que estimulava a imaginação (e a sacanagem), ou ainda onde a gente depositava toda a raiva reprimida decapitando ou cortando o cabelo.
Mas enfim, em tempos caóticos e cansados, a ideia de ver um “feel good movie”1 parece atraente, e Barbie a princípio parece um exemplar ideal para se divertir por 2 horas e depois continuar vivendo a vida normalmente.
Só que hoje parece impossível passar reto e incólume por esse tipo de coisa e qualquer filme inodoro desperta nossos instintos mais profundos de defesa de nossa identidade/reputação e uma tentativa de pertencimento a determinados grupos ao odiar ou amar um produto ou manifestação cultural (e eu curto a Greta Gerwig e o Noah Baumbach e entendendo também que todo mundo precisa pagar as contas).
Nesse furdúncio, lendo as manifestações expelidas no ódio ou na soberba, percebe-se distintas trincheiras:
01. aquela que celebrou no filme como uma obra de empoderamento feminino e emancipação das mulheres;
02. aquela que criticou quem viu empoderamento e emancipação pois apenas realismo capitalista e alienação através do consumo;
03. aquela que criticou quem criticou o empoderamento porque é só diversão e não tese acadêmica;
04. e por fim, o zero novedoso delírio conservador a la TFP que afirma ser uma obra diabólica, que subverte valores cristãos e promove o “marxismo cultural”.
Sim, tudo isso considerando um filme que no fim é comercial de brinquedo.
Mas o que mais intriga aqui, é a necessidade de pegar esse produto para si e gastar uma energia vital para defender a nossa perspectiva e destrinchar minuciosamente todos os elementos possíveis para justificar a nossa sedenta vontade de mostrar o quanto estamos certas(os).
E tudo isso em um formato de comunicação unilateral, que para se fazer valer usa ironia, desprezo, arrogância e/ou moralismo e não quer saber de verdade sobre outras perspectivas a não ser aquelas idênticas.
E claro, isso é com tudo, e o filme só ilustrou isso muito bem essa sensação: por que a gente precisa emitir opinião sobre tudo?
Acho que a questão não é nem a opinião em si, mas esse lugar de não fazer a menor questão de uma troca, só de despejar o que a gente acha, querendo convencer o outro que somos um poço de sabedoria e razão, sem dar abertura pra possibilidade da gente estar falando merda, ou de entrar em contanto com a verdade mais difícil de lidar: de que ninguém tá nem aí, que pouco importa na verdade o que falamos a esmo, e que, no fim, discussões desse tipo impactam quase nada na transformação da realidade, e possivelmente, ainda nos tiram alguns anos de vida.
Bom deixar claro que me incluo nessas perguntas, desde questionando a finalidade desse texto, até as minhas próprias contradições dentro do que me proponho a fazer. Um dos motivos da inexistência de posts do Clima nesse ano, se dá justamente nessa aflição de que, usar uma rede social que é inerentemente tóxica para qualquer tipo de debate, qualquer tentativa está fadada ao fracasso mesmo que, no passado, eu tenha lidado com muita gente legal e aberta.
Sei que parece extremo e fatalista, mas ao lidar com o fato de ter que economizar energia para onde vale a pena pra não colapsar, evitar essa auto exposição e poluição mental na cabeça das pessoas me pareceu a melhor opção (pra mim).
Sinto que nesses formatos nos quais estamos acostumados, tá meio assim:
Se a gente tá tão precisado de relações de afeto/solidariedade e sensação de pertencimento, será que é possível usar essa rede mundial de computadores para outros fins que não formar bolhas das bolhas e odiar a diferença?
Talvez pra além das formas, é entender subjetivamente como é que podemos ser mais tolerantes, até porque já existem livros, teses e documentários que nos mostram como as redes nos tornam seres odiáveis e embotados, justamente porque assim é mais fácil de controlar e manter as coisas como estão.
Porque no fim é isso, Barbie é só a ponta de um blocão de gelo que arrasta tudo e todos, num movimento que parece não fazer o menor sentido quando paramos para analisar. No fim, parece que tudo serve pra enriquecer os já trilhardários, e promover discussões entre nós que nos fazem acreditar que as coisas tão mudando.
Por mais filmes que sejam diversão só pela diversão, será que dá?
Contrariando um pouco a pegada do Clima, algumas referências feeling good mas que não vão trucidar os últimos neurônios pensantes que temos e ainda pode agregar alguns questionamentos existenciais saudáveis.
❒ I’m from virgo: série do Boost Riley, que fez o maravilhoso e já recomendado Desculpe Incomodar. Tá na Amazon Prime.
❒ Livro A Pedra da Loucura, do escritor chileno Benjamín Labatut. Pequenino, ele fala sobre como “enlouquecer pode ser uma resposta adequada à realidade”.
❒ How to com John Wilson: mistura documentário + roteiro nonsense + reflexões existenciais + rir do absurdo. Sério, vejam, principalmente pra ver como tem gente doida no mundo (principalmente nos EUA). Na HBO.
❒ Podcast Donas da P* Toda: a Marina e a Larissa são umas queridas, já vão chegar nos 200 episódios e conseguem falar sobre absolutamente tudo! E sei lá porque elas me chamam pra participar (valeu meninas).
Até a próxima.
Abraços,
Nat
Aqueles filmes que não apresentam grandes questões ou conflitos, te fazem sentir bem e esquecer por alguns instantes os motivos da nossa miserável existência terrana ou o eminente apocalipse climático, por assim dizer.
Obrigada pelas reflexões compartilhadas... Saí do instagram há 1 ano, e foi a melhor decisão que eu tomei... "quem não é visto não é lembrado" era meu maior medo, e se tornou minha maior dádiva hahahah... Leio todas as news, não pare por aqui viu? Abraço!
Nat, já faz 1 ano que a conheci participando das lives do Clima. Eu adorava e fiquei muito triste qdo você precisou encerrar aquele formato. Mas sempre compreendi. Acabei me afastando de suas ideias, mas sou a única responsável por isso. Li poucas letters, sempre gostei, mas não tava com vontade de comentar. Hoje caiu a ficha do quanto você me acresecenta e que estou com saudades. Você escreve muito bem. Além disso, me sinto muito próxima da sua visão, apesar de eu achar ter o dobro (62) da tua idade.
Tô incomodada com este filme de boneca. Muita gente que eu admiro intelectualmente tá gostando (inclusive minha filha que tem 31). Carai, eu tava quase sucumbindo qdo leio você. Me sentindo quebrando bonecas, todasss!!! Bem, assisti o filme há pouco no stremio. Estou mais segura do que nunca de que não quero falar sobre ele a não ser com você. Envio votos de saúde e muitas alegrias pra você.