Sejam bem-vindos e bem-vindas a mais uma news do Clima.
A curadoria mensal de conteúdos, divagações e cutucos pra gente não desistir e se interessar mais pelo que acontece fora do nosso umbigo.
Nessa edição: o que a guerra tem a ver com gente, o que tem além de tudo isso e como podemos tentar não ser uma pessoa abjeta nas redes (e na vida).
Ah, as palavras em laranja têm coisa, só clicar.
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De repente todo mundo é especialista
Depois da nossa última news, parece que não se fala em outra coisa: a guerra. No caso, entre as tantas que ocorrem pelo mundo, é a que você não consegue ficar 24h sem pensar: Israel-Palestina.
A ideia aqui não vai ser a emissão de posicionamento protocolar, até porque quem sou eu na fila do pão, mas queria muito que a gente pensasse junto sobre as implicações que o evento tem causado nas discussões e como ele se relaciona com outras problemáticas que sempre estiveram por aí.
Por mais que você queira dar um tempo (porque aqui a 34230843 km de distância da batalha podemos nos dar ao luxo de), se você tiver conexão a internet e uma tela, é praticamente impossível não cruzar com vídeos crianças ensaguentadas ou tendo ataques de pânico, pessoas em atos de violência pura ou trechos de falas do Luciano Huck e aquele cara daquele livro ruim que todo mundo ama (pfv não me cancelem, vamos falar disso em outra news).
Eu particularmente não tenho a menor capacidade emocional e cognitiva para assistir nada disso, mas sei de gente que não consegue desviar os olhos e depois sofre as consequências nada legais ao terem a sanidade posta a jogo depois de assistir a tanto horror.
Só que a postura individual quase que geral diante dessa guerra, vem com aquele cheiro de eleições-brasil-pré-2022: gente destilando ignorância a rodo, fake news, fascismo enrustido, polarização política a mil, zé palestrinha, esquerdas com comportamentos nada humanitários e aquilo que amarra o pacote - a ideia de que precisamos publicamente expressar de que lado estamos, porque isso diz respeito à nossa identidade, e que a nossa existência e validação de quem somos depende disso.
Então se falamos aqui sobre a necessidade que o povo tem de emitir opinião sobre tudo (naquele caso, um motivo um tanto mais fútil), agora parece que isso aumentou exponencialmente: você vira a esquina e aparece um posicionamento mequetrefe de alguém que até ontem, a maior revolta reverberada online era que a faxineira estragou o seu tênis branco e ele ficou amarelado.
E aí de repente, o emoji 🇵🇸 faz as vezes do Guarani-Kaiowá do username (lembram dessa?) e o ativismo performático a la paolla oliveira se espalha pela rede mundial de computadores.
Nem sempre ficar quietinha/o na sua é omissão ou alienação, mas apenas um ato de humildade diante da consciência da ignorância, e que talvez, excrementar uma opinião não vai fazer com que a paz reine sobre a Terra. Suspeito que muitas vezes é só mais uma vontade de humilhar o amiguinho e impor uma superioridade moral disfarçada de consciência política.
Se posicionar é importante dependendo da sua área de atuação, ainda mais se você ocupa um espaço de relativo poder. Mas acredito que há diferentes formas de fazê-lo e de dialogar com o que vem a partir disso.
A coisa ainda tá longe de melhorar
Eu sei que não há nenhuma novidade nisso, mas acho que ainda hoje precisamos bater na tecla sobre DESUMANIZAÇÃO. Essa parada é um processo que acontece historicamente no qual um grupo é demonizado e homogeineizado, sob pretextos “científicos” e sociológicos/psicológicos, com o objetivo de justificar uma exclusão, exploração e até morte. Então basicamente é o que aconteceu e justificou o processo de colonização (afinal, tudo bem exterminar aquelas pessoas porque elas não são civilizadas) e mais pra frente, quando pegamos os resquícios dessa mentalidade - o nazismo, racismo a brasileira, islamofobia, etc.
Tirar o que há de humano nas pessoas é a premissa básica para que a gente se anestesie diante do sofrimento delas, acreditando que elas merecem aquilo de alguma forma, que elas não sofrem tanto assim, ou que é algo “natural”.
Isso é muito mais comum do que a gente imagina.
E conectando com isso, eu sei que há mais de ano que eu venho catequizar vocês aqui edição sim edição não, pra assistirem ao “Extermine Todos os Brutos”, mas venho novamente IMPLORAR pra vocês verem, porque por mais que não fale diretamente sobre essa guerra, dá pra desenvolver um olhar amplo e sacar os comos, porquês e mecanismos que estão por trás de tudo. É uma pancada brutal que explica tudo o que acontece hoje, e ainda não desisti de fazer um encontro do Clima sobre ele (se souberem de profes legais pra isso me contem?).
Aproveitem que a HBO tinha tirado do ar e agora voltou.
Essa frase me pegou muito da primeira vez que vi há mais de dois anos, e continua me gerando um incômodo tremendo, porque quando vemos esses eventos acontecendo, parece que fica cada vez mais sem saída.
Mas ao assistir, vai ficar muito mais claro a conexão que se faz por aqui.
Como podemos começar a tentar ser menos escrotos
Comentei que a ideia aqui não é ficar argumentando sobre a guerra em si e porque só me sentiria a vontade de ocupar esse espaço fazendo isso se tivesse no mínimo uns bons anos de estudo exclusivo no assunto, mas como sempre falo que não existe neutralidade, acho que vale destacar alguns pontos nos quais ando vendo muita confusão por aí e que podem ser elucidados com algumas informações básicas.
#1 Pelo amor de deus seja ele qual for o seu, judaísmo NÃO É sionismo
Me parece que essa é uma das principais falácias cometidas por aí, que simplificam 100% uma parada MUITO fragmentada. O sionismo foi um movimento que começou no século 19, e se transformou com o tempo, assim como o conceito do que significa ser judeu.
Mas olha como o negócio é bagunçado: tem judeu sionista de direita, tem judeu sionista de esquerda, tem evangélico sionista (sim), tem judeu anti-sionista, e muitas outras ramificações.
Então não misture e não generalize.
#2 Sim, você pode estar sendo bem antissemita e islamofóbico sem saber
A gente sabe que basta chacoalhar a árvore que cai um penca de gente “estudada” destilando gratuitamente ressentimento e ignorância contra grupos minorizados.
Então pra começar: ser contra o estado de Israel ou contra o que está sendo feito pelas lideranças de lá hoje NÃO SIGNIFICA SER ANTISSEMITA. Da mesma forma que se solidarizar com as mortes do lado mais forte (israelense) e não apoiar qualquer grupo que assassina civis, não significa que você é a favor da política estatal de Israel ou que não tem senso crítico ao analisar o cenário mais amplo.
Mas ao mesmo tempo, tem muita gente criticando a atuação deles tirando seu nazismo do armário e usando generalizações e jogando a raiva contra um grupo inteiro. Tipo isso:
Cuidado, galera.
Alimentar discursos do tipo “tem cara de terrorista” só porque tem o fenótipo árabe ou “todo judeu é rico e domina todas as instituições”, merda vinda do Protocolo de Sião, ou ficar falando que “os judeus apoiam Bolsonaro”, é bem racista e denota uma limitação quanto à compreensão histórica e social desses grupos.
#3 A versão da história dominante até então não condiz com a realidade dos fatos
A gente sabe que nossa grande mídia sempre teve uma quedinha pelos EUA, então a gente sofre lavagem cerebral desde cedo. Depois que a gente cresce e se responsabiliza por esforçar nossos neurônios a questionarem o que empurram na nossa goela, nos cabe ir atrás e lidar com as verdades inconvenientes.
Isso vale pra qualquer acontecimento: precisamos estudar a sua história antes de estabelecer algumas verdades.
Assim como existem mitos fundadores do Brasil, todo país colonizado tem a sua história bonita e heróica pra passar adiante. E vamos dizer que quem a escreve nunca é exatamente quem já tava morando lá.
Então gostaria de recomendar um livro e um artigo que me ajudaram recentemente a compreender melhor os fatos:
• Ilan Pappe: Dez Mitos Sobre Israel: ele é historiador, israelense e judeu, e investigou em diversos livros o processo de criação do Estado e tudo o que ocorreu desde então. Esse livro é bem acessível e “fácil” de ler. Aproveita que tá grátis a versão online até hoje (31 de outubro).
• Entrevista com a professora Nurit Peled-Elhanan, também judia e israelense, perdeu uma filha de 13 anos em um atentado a bomba feito por um palestino, e seu objeto de pesquisa são os livros didáticos israelenses do sistema educacional de lá.
Peguei justamente essas pessoas porque são aquelas que tiveram que combater tudo o que aprenderam desde cedo, e que certamente seria muito mais fácil se adequarem ao status quo que lhes beneficiava.
#4 Vale conhecer mais sobre o conceito de Orientalismo
O livro com o mesmo nome escrito pelo Edward Said é BEM difícil pra nós pobres mortais, mas vale. Caso você não tenha disposição, dá pra começar aqui e aqui:
Mas basicamente explica a construção da noção de oriente durante a colonização, ou seja, de tudo que não é europeu, cheia de estereótipos e generalizações, e como isso reflete até hoje no nossa percepção de mundo, principalmente quando olhamos para dinâmicas de poder entre povos e países, como também pra como eles são retratados na indústria cultural.
#5 O perigo que existe nas platitudes “basta um esforço dos dois lados e teremos paz” ou na falsa simetria
Gente, óbvio que eu quero a paz mundial, que as guerras acabem e a opressão seja varrida da face da Terra, mas achar que vai ser um esquema de dar as mãos e cantar We Are The World porque o amor cura tudo, é de uma preguiça intelectual ou uma falta de disposição pra encarar a realidade nua e crua (acho eu).
Como já disseram muitos pensadores, quem tá no poder não vai virar gente boa porque teve um súbito de consciência sobre suas ações e vai ceder arrependido.
Por fim, há décadas que são produzidos filmes e documentários que contam a história de diversas formas e pessoas que estão produzindo conteúdo didático que podem enriquecer o debate ao alcance de um google.
Sim, é um assunto hiper ultra complexo, impossível de explicar em uma news desse tipo, por isso, clica com força em todos os links e vamos buscar cada vez mais se informar.
Caso você não concorde com algo aqui, fique a vontade para responder e oferecer outras perspectivas.
Nos vemos no mês que vem.
Abraços,
Nat
Há muito a ser desconstruído... e eu, antes de comentar uma palavra a mais, vou me educar um pouco. Obrigada por mais essa news!
Você brilhou nesse texto e em todas as referências. Parabéns!